quarta-feira, 12 de agosto de 2015

O alvoroçado romantismo de Lupe de Lupe


Por Claudia Bittencourt

“Eu toco alto, falo alto, bebo, grito e choro / E meu coração não é mediano e nem é mineiro /Mas talvez por sonhar demais / Meu coração seja Minas Gerais”. Foi com esse espírito que a banda belo-horizontina Lupe de Lupe tocou em Brasília no último sábado, 8 de agosto. Para quem acreditava que fazia um som despretensioso e que não iria a lugar algum, o grupo formado por Vitor Brauer (vocal e guitarra), Renan Benini (baixo e vocal),  Gustavo Scholz (vocal e guitarra) e Cícero Nogueira (bateria) surpreendeu a si mesmo e aos fãs em sua segunda turnê pelo Brasil, dessa vez para divulgar o disco mais recente, Quarup.

Foto: Divulgação Lupe de Lupe
Na primeira turnê, em 2013, o quarteto passou por estados do Nordeste e por São Paulo, de avião. Agora, de carro, os meninos conseguiram visitar e fazer shows em um número muito maior de cidades.  A rotina de viagens começou no início de julho, em BH, como não poderia deixar de ser. Até setembro, a banda vai percorrer 23 cidades em 12 estados do sudeste, sul, centro-oeste e nordeste. "Perguntamos na nossa página do Facebook onde queriam que a gente tocasse, a partir daí nos juntamos com outras bandas parceiras para tocar naqueles locais", conta Vitor.  A banda vê o Facebook como um grande canal de comunicação direta com os fãs.

Jonathan Tadeu. Foto: Cássio Marinho/Isso aqui é DF

Com a agenda lotada pelos próximos meses, o quarteto mostrou a força de vontade do "faça você mesmo", atitude que deve permanecer marcante no cenário independente. "Nessa turnê, tocamos em lugares muito diferentes. Desde pubs até casas de pessoas", diz Vitor. Outra surpresa da turnê foi a presença do amigo Jonathan Tadeu, da recém extinta Quase Coadjuvante e que lançou seu novo álbum recentemente. Ele substituiu Renan no baixo e também cantou "Começar de Novo", de seu novo trabalho.

Lupe de Lupe lançou o primeiro EP em 2011. Com sete músicas, "Recreio" chegou mostrando a versatilidade da banda, capaz de reunir as músicas mais tristes e mais felizes em um mesmo CD. As brasileiríssimas "Para Viver Um Grande Amor" e "Mar Morto" remetem aos grandes compositores Vinícius de Moraes e Dorival Caymmi e fazem contraponto com o som pesado de "Brejo Das Almas" e "Guesa Errante". Enquanto isso "Carta para Minha Filha em Prantos" e "Dom Casmurro" mostram a personalidade da banda por meio de letras impactantes, complexas e bem trabalhadas, que casam com arranjos marcados. "Me sento no recinto que há pouco me humilhou / Um pouco de absinto e logo a dor passou / Pra quem tiver memórias de nós dois, que as deixem pra depois / Que por hoje eu não intento me reabilitar, tão pouco levantar", versos de Dom Casmurro.

  Lupe de Lupe - Mar Morto

"Vem cá, porque criaste assim um amor tão profundo pra esconder no mar?"

Depois de "Recreio", o lançamento do álbum "Sal Grosso" em 2012 veio para consolidar a banda no cenário independente nacional. O disco trouxe clássicos como "17", "Pavimento" e "Há Algo de Podre no Reino de Minas Gerais". Nesse mesmo ano, o Vitor lançava seu primeiro trabalho solo, a mixtape "Nosferatu".

Foto: Cássio Marinho/Isso aqui é DF
O romantismo e a sensibilidade diante do retrato das questões mais complexas da vida, presentes em letras como "Enquanto Pensa no Futuro", "Às Vezes", "Pequena" e "O Que Falta" reafirma o potencial que Lupe de Lupe tem de fazer refletir, chorar e bater cabeça na faixa seguinte.  Essa característica vital também fica clara no show, especialmente na sequência do som mais pesado de "Reino dos Mortos" para a ressentida “Fogo-Fatúo”.


Foto: Cássio Marinho/Isso aqui é DF

"A nossa madrugada

Passou pelo nascente
E foi silenciosamente se tornando alvorada
E hoje eu ando me entregando
Aos braços dessas pessoas
Só pra ver, só pra ter certeza absoluta
Que eu ainda faço parte de você
E que você ainda faz parte de mim" - Fogo-Fátuo


"Mas só Deus sabe o quanto eu sentiria a falta do seu sorriso / E eu não vou te culpar se algum dia você resolver me deixar / Pois quem cola comigo cola comigo / Já nasceu fadado a não ganhar". Impossível não se identificar com “Pavimento”, especialmente após um término de relação em que tudo que fica é a saudade.

                       Lupe de Lupe - Pavimento                                   


Foto: Cássio Marinho/Isso aqui é DF
A temática do sofrimento também está presente no EP "Distância", de 2013, que vem em uma pegada totalmente suja, barulhenta, hardcoreAs diferenças de estilos entre os discos ficam cada vez mais evidentes, mostrando a alta capacidade de produção da banda. "Sempre nos esforçamos para criar coisas novas, lançar materiais diferentes. O Sal Grosso foi um disco mais direto... Já no Recreio, como era nosso primeiro CD, tínhamos vários coelhos na cartola", conta Cícero.

Foto: Cássio Marinho/Isso aqui é DF

O baterista explica que a banda tem grandes compositores, cada um com um estilo diferente, e todos contribuem muito para a produção das canções.  "Às vezes a gente junta três música em uma, mas estamos sempre pensando em não fazer a mesma coisa. Cada disco reflete o momento que a banda está vivendo". 

Para Vitor, a banda está amadurecendo e agora, com o duplo Quarup, entram em uma fase mais experimental. "O futuro é feminino / Minha presidente é uma mulher / Meu coração é brasileiro (...) Minha mãe foi mãe solteira / Há muito tempo me ensinou / Meus pés e mãos são brasileiras", assim começa a primeira parte do disco, com a otimista "O Futuro é Feminino".  

Com os versos "Faz tempo que eu não vejo você / Essa saudade dói mais que beber mercúrio / Te lembra aquele abraço que dei  / Meus braços se entregaram e pensei do orgulho / Que tenho quando beijo você / Me arrepio todo ao perceber / Que eu queria mais tempo", a afetuosa "Gaúcha" nos faz lembrar daquele amor recém descoberto e talvez perdido. 

                                                    Lupe de Lupe - Gaúcha


Quase como um sussurro "Colgate" é quase uma nostalgia de fim de domingo, quando pensamos em tudo de ruim da vida e insistimos em manter o sorriso no rosto. "O sol se pôs / Mas eu não vi / Eu vejo tanta tristeza nos dentes brancos de quem ri / A juventude é esperta demais /Tem dias que /Quando eu penso na morte minha pele diz pra eu distrair".

                                                   Lupe de Lupe - Colgate


A tranquilidade e o romantismo se mantém até a 11ª faixa, na instrumental PKA Prefácio. Depois disso, sexo, prazer, drogas, crimes e arrependimento fazem parte de músicas como a pesada "Minha Cidade em Ruínas". A marcante "Eu Já Venci" remete ao caos político e social que o país vive, em uma perspectiva individual.



Foto: Cássio Marinho/Isso aqui é DF

"E então o saulim foi preso por traficar / Quando ele saiu eu vi que nos seus olhos restava pouco de perdão Pouco de amor, pouco de ilusão / Minha cidade está em ruínas / E não é uma música que vai fazer tudo isso mudar" - Minha Cidade em Ruínas.


E a Lupe tem material novo... só na cabeça! Mas isso já é um bom sinal. "Se a gente pensa em alguma coisa, gravamos logo, não ficamos esperando, pensando demais".


Jonathan também está com material novo, previsto para ser lançado ano que vem. Depois do fim da Quase Coadjuvante, ele lançou o intimista "Casa Vazia", disco recheados de conversas entre amigos e confissões. "O próximo álbum será mais rock", conta.


GERAÇÃO PERDIDA

Tanto Lupe de Lupe quanto Jonathan Tadeu fazem parte do movimento Geração Perdida de Minas Gerais, que tem como objetivo unir músicos e outros artistas para promover a produção cultural local. Assim, os participantes do grupo se apoiam, ajudando os amigos e colegas e produzir e divulgar seus trabalhos. Um exemplo disso é o álbum "Perdida", da tatuadora, artista plástica, videomaker e compositora Paola Rodrigues, produzido por Vitor Brauer. Anteriormente, ela dirigiu o clipe de "Os Dias Morrem" e o curta documentário "Geração Perdida em SP". Outra banda representativa para o Geração Perdida é a Young Lights, sendo que álbum "Cities" também foi produzido por Vitor. Para conhecer o trabalho de todos os artistas do coletivo, acesse: http://geracaoperdida.bandcamp.com/.

Curta documentário - Geração Perdida em SP



Confira o setlist do show em Brasília:

SETLIST:
SP (Pais Solteiros)
Enquanto pensa no futuro
Pavimento
Começar de novo (Jonathan Tadeu)
Homem
RJ (Moreninha)
Reino dos mortos
Fogo-Fatúo
Gaúcha - sem Renan, substituído pelo Cícero
Há algo de podre no reino de Minas Gerais
Pequena
Eu já venci
17


Foto: Claudia Bittencourt


Todo material da Lupe de Lupe está disponível no site: http://lupedelupe.bandcamp.com/album/quarup.

Para conhecer o trabalho de Jonathan Tadeu, acesse: https://jonathantadeu.bandcamp.com/.




terça-feira, 11 de agosto de 2015

O último poema



''Take a look from the sky just before you die, it's the last time you will!''

Durante aqueles últimos dois minutos, viu um filme com cenas de toda sua vida passar pela sua mente.

Enquanto olhava para o céu vermelho e aquela estrada vazia, a dor era tamanha que já não sabia se queria lutar contra ela, talvez pedir socorro. Teve pressa de morrer.
O canto dos pássaros acompanhou as cenas que se passavam rapidamente, como contínuos flashes sobrepostos. Se viu criança novamente, brincando de esconde-esconde, pescando com os irmãos mais velhos. O primeiro beijo. A primeira vez que tocou no corpo de uma mulher. O primeiro conto que escreveu - sentiu o gosto de cada frase que conseguia visualizar. As primeiras viagens de carro. O primeiro porre de whisky.

Nenhuma música era tão pesada quanto aquelas que tocavam naquele velho rádio de fitas. As guitarras elétricas, os guturais. Nenhum outro dia seria tão bonito para morrer.
Olhou o céu por mais uma vez. Pela última vez.
A última respiração.
O último espasmo.
Este foi o último poema que escreveu.
O único que jamais poderá ser lido.

Claudia Bittencourt

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

RIO - Foo Fighters dá uma verdadeira aula de como fazer rock n´roll

Por Claudia Bittencourt

Depois de um show considerado épico na última sexta-feira, em São Paulo, o Foo Fighters seguiu sua turnê Sonic Highways no Rio de Janeiro. A banda se apresentou no domingo, no estádio do Maracanã.

Foram 22 músicas, entre os clássicos de cada um dos oito álbuns da banda, como “Everlong” e “Best of You”, passando por covers de Rush, Queen e Kiss.

O show começou com “Something from nothing”, primeira faixa do álbum que dá nome à turnê. Desde o início, deu para perceber a liberdade que eles tiveram de mudar o ritmo das músicas, brincando de torná-las mais lentas e em seguida ir com força total, com direito a guturais. As guitarras, o vocal e a bateria foram os condutores do show. A segunda música, “The Pretender”, mostrou Dave e sua guitarra nervosa, que combinava lindamente com as luzes azuis do palco.



Dave Grohl, Pat Smear, Chris Shiflett e Taylor Hawkins deram uma verdadeira aula de como se faz rock n’roll, experiência adquirida depois de 20 anos de estrada. Um espetáculo grandioso e intimista, conduzido pela simpatia e vitalidade de Dave. “It’s fucking hot tonight, come on! It´s not hot enough!!”, disse o vocalista em vários momentos.

A presença de palco de Dave é admirável e ele parece estar realmente se divertindo durante o show, lançando olhares expressivos como quem conversa com o público – e fez isso muitas vezes. A interação foi constante e o vocalista chegou a pedir para ligarem as luzes das laterais do palco para que ele pudesse ver melhor o público. Dave afirmou várias vezes que os fãs do Brasil eram especiais, e esse carinho era nítido.

Uma pequena passarela ligava os dois palcos do show. O segundo, que ficava mais adiante, garantiu que as pessoas que estivessem mais longe também pudessem sentir a mesma energia da plateia do palco principal, além de enxergarem melhor, claro. “O pessoal da frente teve sorte a noite toda, mas agora eu toco pra vocês!”.

Depois da contagiante “My Hero”, Dave perguntou ao público quem nunca tinha ido a um show do Foo Fighters antes. Surpreso com a quantidade de mãos levantadas, o vocalista disse “que bom que vocês esperaram, porque hoje vamos tocar todas as músicas que pudermos, até que nos expulsem do palco!”. Então, Dave dedicou a música seguinte aos fãs da banda, especialmente aqueles que nunca tinham ido ao nenhum show. Foi então que a capela de “Big Me” começou.

“Walk” foi uma das músicas mais emocionantes do espetáculo. Daquelas de arrepiar. O Foo Fighters tem uma receita que é capaz de deixar os fãs tocados e fazê-los bater cabeça e dançar ao mesmo tempo, é incrível.

Dave apresentou a banda de forma peculiar: pedindo para que cada um tocasse um pouco de seu instrumento. Ele brincou que todos os membros do Foo Fighters esquecem as músicas eventualmente, mas que havia uma pessoa que sabia “every fucking song”: o baterista Taylor Hawkins. Ele e Dave trocaram declarações de amor, inclusive. “Ele me ama, e ele é todo meu!”, brincou Dave.  Na hora do seu solo, o vocalista tocou um pouco de “Black Bird”, dos Beatles.

Dave comandou as luzes do Maracanã mais uma vez durante “Monkey Wrench”. Dessa vez, o estádio ficou totalmente no escuro, sendo iluminado apenas pelos celulares dos fãs. No silêncio e no escuro, a música volta.

“Skin and bones” e “Wheels” foram tocadas em capela no segundo palco, foi quando surgiu a promessa de que a banda voltaria ao Brasil. “Se vocês cantarem bem alto, o Foo Fighters vai voltar a tocar aqui!”.

E foi na arrepiante “Times Like These” que a banda se juntou a Dave novamente, quando tivemos uma deliciosa surpresa: o palco girava!

Os covers escolhidos foram reflexo das influências da banda. “Coisas que crescemos ouvindo, por isso decidimos tocar”. Eles tocaram “Detroit Rock City”, do Kiss; “Tom Sawyer”, do Rush; “Stay With Me”, do The Faces e o clássico dos clássicos “Under Pressure”, do Queen, dedicada aos fãs.
A vigésima música do show que comemora os 20 anos de carreira da banda foi a dançante “All My Life”. Digo ‘dançante’ porque não é toda banda que te faz levantar do sofá para pular, gritar e bater cabeça num domingo à noite de sobriedade. Se eu estava assim, imagine quem estava no estádio?
A empolgação seguiu com “Best of You”, um dos grandes hits da banda, que brinca com os arranjos das músicas durante todo o show.

A última música foi “Everlong”, do disco The Colour and the Shape. “Vocês são uma linda audiência! Obrigado por hoje, nós voltaremos logo!”, disse Dave ao se despedir.

Foram mais de três horas de show, que começou quase que pontualmente às 9h e terminou pra lá da meia-noite. Mas eu ficaria mais três horas assistindo, por mim eles poderiam tocar a discografia inteira! Agora só nos resta esperar que eles cumpram a promessa de voltar em breve.

Confira o Setlist:
- Something From Nothing
- The Pretender
- Learn to Fly
- Breakout
- My Hero
- Big Me
-Congregation
- Walk
- Colday In The Sun
- In The Clear
- This Is A Call
- Monkey Wrench
- Skin And Bones
- Wheels
- Times Like These
- Detroit Rock City – cover do Kiss
- Tom Sawyer – cover do Rush
- Stay With Me - cover do The Faces
- Under Pressure - cover do Queen
- All My Life
- Best Of You
- Everlong